MARIGHELA POR JORGE AMADO
BAHIA, 1968 --------------------- O MALDITO
Por vias travessas recebo os originais de um livro de poemas acompanhados de palavras escritas à mão: leia, guarde, um dia conversaremos, você me dirá o que acha. Conheço bem a letra, não faz falta assinatura: o autor dos poemas comanda a guerrilha urbana, sequestra embaixadores, liberta presos políticos, caçam-no todas as polícias, as civis e as militares, torturadores e gorilas, chama-se Carlos Marighela.
Poemas ardentes e ingénuos, mais revolução do que inspiraração, musicaram alguns en Nicarágua: o grande poema de Marighela foi a sua vida, tem da epopeia e da berceuse, devotamento e luta, a determinação, a pureza, o destemor, a lealdade. Eu o conheci rapazola, cursava a Escola Politécnica da Bahia, tomado preso ainda adolescente cumpriu pena de dez anos de prisão, passou a juventude entre as grades da cadeia, não perdeu o ânimo, não se fez amargo, conservou o riso de menino, sabia rir como poucos são capazes, riso franco, sadio, confiante. Homem de acção e não teórico arrogantew, a poesia marcou cada instante de sua vida.
Depois que o assassinaram seu nome foi tabu: maldito, não era pronunciado nem ouvido, nem sugeri-lo se podia : censuraram música de Jorge Ben, Meu amigo Charles, Charles podia ser Carlos, Carlos Marighela. Fraternos desde a adolescência, juntos prosseguimos na difícil travessia da esperança e dos desespero – eu o vi chorar ao escutar o relato dos crimes de Estaline, perdêramos nosso pai -, militava na determinação e no escrúpulo, eu o sabia feito de ternura e ira. Em 1974 rompi com o tabu, escrevi sobre ele no Bahia de Todos os Santos: “retiro da maldição e do silêncio e aquí inscrevo seu nome bahiano, Carlos Marighela”
Um dia chegou-me à casa do Rio Vermelho um telegrama anónimo mandado de São Paulo. Comunicava que os ossos de carlos Marighela, se não aparecesse pessoa das família para reclamá-los, seriam atirados á vala comum: quem telegrafou não sei, porquê a mim, entendo. Levei o telegrama ao irmão de Carlos, funcionário da Petrobras, e a Carlinhos, meu sobrinho. Os dois tomaram o ônibus para São Paulo, foram os ossos.
A memória de carlos nós a resgatámos tempos depois ao enterrar aqueles ossos no Cemitério das Quintas, na Bahia, à sombra de monumento concebido por Oscar Niemeyer, pronunciei umas palavras, houve quem chorasse.
de Jorge Amado, em Navegação de Cabotagem
0 Comments:
Post a Comment
<< Home